sábado, 13 de agosto de 2011

EXEMPLOS DE ESTUDOS DE CASO

EXEMPLOS DE ESTUDOS DE CASO

Um exemplo de prática pedagógica, voltada para a superação das dificuldades acarretadas pela deficiência, é o de uma professora de uma Sala de Recursos – DV. Os alunos estão incluídos no sistema regular de ensino e freqüentam a sala de recurso em turno alternativo ao das atividades de sala de aula regular.

Fábio é um jovem de dezessete (17) anos, DF, e que, atualmente, apresenta um quadro de baixa visão. Ele está na quarta série do ensino regular, é ótimo aluno, sua participação social na escola vai além do seu papel de aluno, ele é o presidente do grêmio estudantil. Mas, à medida que sua visão diminui, limita sua ação no mundo, por isso, precisa aprender o sistema Braille de leitura. A escola onde estuda, em turma regular, não oferece à modalidade de SR-DV, então, a professora da sala de recursos de uma outra escola iniciou o trabalho de ensino do Braille. A referida professora recorre a vários recursos técnicos e humanos, que em sua concepção abarcam as necessidades do aluno: desloca-se de seu local de trabalho até à escola dele, duas vezes por mês, para dar suporte ao professor da turma regular – nesses dias, realiza também atendimento individualizado ao aluno; transcreve todo o conteúdo dos livros didáticos para o Braille e de forma ampliada; grava em fita cassete livros de leitura; conversa com os alunos e com os professores da classe, sobre as necessidades de Fábio – localização de carteiras, leitura dos assuntos escritos no quadro, explicação verbal; confecciona materiais didáticos necessários ao aprendizado do aluno; disponibiliza máquina braille, lupa, sorobã, reglete para o uso do aluno; orienta a prática dos coordenadores pedagógicos da escola, para que busquem, junto aos professores, saídas para os impasses encontrados no cotidiano da sala de aula e da escola de forma geral. Nos outros dias, Fábio freqüenta a SR-DV sob a responsabilidade da referida professora, cuja localização é a mais próxima de sua residência.

O que podemos apreender dessa experiência?

- Que, apesar das dificuldades, um ensino produtivo e eficiente pode se concretizar; para tanto, deve-se levar em conta as peculiaridades de cada situação e de cada indivíduo, direcionando as respostas educacionais apropriadas, no sentido de adotar os suportes indispensáveis às aprendizagens. Com as intervenções feitas pelo sistema escolar, o aluno tem seu acesso ao currículo garantido, sua participação social no grupo elevada, suas necessidades específicas atendidas.

As situações descritas a seguir ilustram o quanto à concepção de educação e de ensino do professor interfere no processo de aprendizagem do aluno. Ambas as situações ocorreram numa mesma turma – da qual Natasha faz parte – e traduzem visões diametralmente opostas sobre o que seja ensinar e aprender.

  • Situação Um

Aula de Artes Cênicas, cinqüenta minutos de duração: a professora inicia a aula fazendo a chamada, dirige-se à lousa dispondo a matéria, pára e pergunta:
Professor: quem tem escala A professora da SR-DV, em conversa com os alunos e professores sobre as necessidades de Natasha, produziu uma escala de atenção mais individualizada à aluna. Participa quem quer, não é uma imposição, mas, como a escola foi toda reformada e adaptada há pouco tempo, parece que os usuários da mesma estão mais sensibilizados quanto à inclusão. com Natasha, hoje?
Thiago: é a Carolina, mas ela não veio. Posso fazer.
Professor: Ok. Natasha, você pode se sentar ao lado de Thiago, que ele vai ler para você? Eu não vou ditar a matéria, porque é um resumo e vamos precisar dele no quadro, e além do mais hoje nosso tempo será mais curto e, assim é mais rápido.

A professora escreve no quadro: “Dicionário Teatral (cont.) Letra D”, dispondo abaixo os seguintes conceitos (diretor, dicção, dramaturgia, dramaturgo) e os respectivos significados dicionarizados. Enquanto a professora escreve no quadro, Thiago copia e dita para Natasha, ao mesmo tempo, ambos executam a tarefa de copiar, praticamente, junto com a professora. Ao mesmo tempo em que copiam, conversam sobre vários outros assuntos. A maioria dos alunos demora a finalizar a tarefa que se estende por quase toda a aula. Vez ou outra a professora dirige-se aos alunos, dizendo: “terminaram?”; “fiquem quietos, com essa barulheira não dá para dar aula; “será que vocês podem parar de falar?; “escutem, o barulho já está demais, assim vou apagar o que está no quadro e vocês não vão poder copiar, vão perder a matéria”. Os alunos parecem não ouvir a professora e continuam conversando, gritando, movimentando-se pela sala. Thiago e Natasha conversam entre si, o ambiente da sala vai se tornando cada vez mais barulhentos, os alunos realizam a tarefa de forma mecânica. A pesquisadora aproxima de Thiago e Natasha e trava uma comunicação com eles.

Pesquisadora: para que vocês estão aprendendo essa matéria?
Natasha: ela já deu as outras letras (referindo-se às palavras iniciadas por A, B, e C).

Thiago: é a continuação.

Pesquisadora: o que é dramaturgia, Natasha?

Natasha, aproximando o olho do caderno, lê o que está escrito. A pesquisadora, então, colocando o braço sobre o significado de dramaturgo, pergunta: o que é dramaturgo? Tanto Thiago quanto Natasha tentam olhar no caderno para responder. A pesquisadora insiste:

não olhem, tentem lembrar”.

Pesquisadora: vamos ver. O que é escrita?

Natasha: é escrever.

Thiago: é uma forma de registrar.

Pesquisadora: e o que é escritor?

Natasha e Thiago: é quem escreve.

Pesquisadora: então, sem ler, o que é dramaturgia?
Natasha: é a arte de escrever para o teatro (repetindo exatamente o significado dado pela professora).

Pesquisadora: sem ler, o que é dramaturgo?

Natasha: não sei.

Thiago: não lembro.

Pesquisadora: o que é cozinha?

Natasha: lugar onde se faz a comida.

Pesquisadora: e o que é cozinheiro?

Natasha: quem faz a comida.

Pesquisadora: vamos ver se acertam agora. O que é dramaturgia?
Thiago: escrever para o teatro.

Natasha: arte de escrever para o teatro.

Pesquisadora: e o que é dramaturgo?

Natasha: não! É quem escreve? Cara, nunca mais esqueço isso, que fácil, não vou nem precisar estudar para a prova.

A professora permanece sentada em sua mesa, esperando que todos acabem a cópia. Cinco minutos antes de terminar a aula, diz: estamos quase na hora, na próxima aula a gente continua, pega suas coisas e sai.

  • Situação Dois

Aula de História, cinqüenta minutos de duração. A professora entra em sala, pede que os alunos se acalmem (todos estão agitados, conversam, movimentam-se pela sala – a aula anterior havia sido a da situação 1) e abram o livro didático.

Prof.: abram o livro na página 122, capítulo 7. Hoje, nós vamos falar da relação entre religião e política, no regime capitalista. O que é religião para vocês?
Alunos: Muitas vozes ao mesmo tempo.

Prof.: um de cada vez. Você Sabrina.

Sabrina: é uma crença.

Thiago: é fé.

Marcelo: é aquilo que a gente acredita.

A professora vai apontando e ouvindo as respostas. Os alunos se agitam, todos querem falar dar suas opiniões...


Prof.: calma! Alguém nessa aula já ficou sem falar. História só se aprende pensando, falando. Todo mundo vai dar sua opinião, mas cada um na sua hora, porque senão não adianta, ninguém ouve ninguém. A religião trata de que questões?

Aluno 1: das coisas da alma.

Aluno 2: do espírito.

Aluno 3: na Assembléia de Deus tudo é pecado, tudo é errado.

Aluno 3: na igreja católica também tem pecado.

Aluno 4: no espiritismo tem carma.

Prof.: e que relação tem a religião com a política?.
Thiago: acho que tem toda, porque, dependendo da crença, eu não vou ter

crítica nenhuma.

Natasha: é, tem religião que deixa a pessoa toda bitolada.
Aluno 5: é! Eu tenho uma tia que acha que o marido bebe e apronta por causa do encosto, aí vive rezando e ele continua aprontando. Puxa! Não tem nada a ver, ele é malandro mesmo.

Aluno 6: e minha irmã que agora entrou para a Assembléia. Não faz mais nada, ela era da pá virada, mas agora parece uma freira. Só que ela era super legal, agora tá dedo duro, tudo ela conta prá mãe. Outro dia eu saí com uma amiga que minha mãe não gosta e ela contou e eu levei a maior bronca. Isso por acaso é legal? Ser fofoqueira é legal? Se tudo é pecado, isso devia ser também.

Prof.: ah! Vocês estão me dizendo que a religião interfere nas condutas dos homens, é isso? Vocês conhecem aquela música chamada Romaria? ‘Sou caipira, pirapora nossa Senhora de Aparecida. Ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida”.

Alunos e professora cantam a música, depois a professora lê a letra.
Prof.: o que acharam?

Natasha: parece que tudo acontece porque Deus quer. Se o cara está desempregado é porque Deus quis assim.

Aluno 7: é se está doente, porque Deus quis. Não tem dinheiro... culpa de Deus.
Aluno 8: por isso que os empresários se dão bem, porque o povo acha que eles têm dinheiro porque Deus decidiu assim. Então, ninguém se revolta com a exploração.

Professora e alunos dão continuidade ao diálogo e a matéria vai sendo internalizada de forma crítica, cada um podendo revelar o que pensa, confrontar-se com os outros. Outras músicas com relação ao tema são lembradas.
Prof.: na página 124 tem um questionário, respondam em casa e tragam na próxima aula. Natasha, esse capítulo já foi ampliado?
Natasha: já, a professora da SR-DV já me entregou.
Prof.: ok. Então agora quero que vocês façam uma poesia, uma letra de música relacionando religião e política, mas com uma visão crítica.

As Situações um e dois, acima relatadas, foram vivenciadas pelo mesmo grupo de alunos; a diferença, portanto, em relação à ação educativa, fica por conta da atuação pedagógica de cada professora. A primeira situação revela uma prática pedagógica mecanicista, baseada num referencial teórico comportamentalista; enquanto a Segunda, baseia-se numa relação dialógica, decorrente de um modelo de educação sócio-histórico.

Segundo o modelo mecanicista de educação, o sujeito é concebido como um ser passivo, controlado por forças externas, a conduta humana é compreendida a partir das respostas provenientes dos estímulos recebidos pelo meio externo. As práticas pedagógicas decorrentes do referencial teórico comportamentalista são marcadas pelo condicionamento, cuja relação pedagógica se caracteriza pela hierarquia, cabendo ao professor transmitir os conteúdos, através de treinamentos de funções. O aluno não passa de um mero receptor e reprodutor desses conteúdos e comportamentos previamente selecionados pelo professor. Do ponto de vista mecanicista, o aluno tem um papel passivo no processo de construção do conhecimento. O produto da ação educacional é a repetição do objeto do conhecimento, decorrente de uma ação mecânica, de um treinamento.

Uma das expressões mais significativas no processo de inclusão do aluno portador de deficiência no sistema educacional diz respeito ao papel do professor e suas implicações práticas. Outras duas observações, numa mesma turma, podem auxiliar a reflexão dessa questão. Natasha, 15 (quinze) anos, 7ª série, portadora de uma visão subnormal desde os 3 (três) anos de idade, está incluída numa turma regular. O prédio da escola é vertical e foi totalmente reformado de forma a garantir o aceso físico de seus usuários a todos os espaços – elevador, corrimão nas escadas, rampa de acesso à cadeira de rodas na entrada, banheiros acessíveis etc. A escola conta também com outros equipamentos de suporte às aprendizagens dos alunos – DOSVOX, lupa mecânica, máquinas braille, livros transcritos à braille, computadores e programas adaptados para o uso do DV etc.

A atuação da professora da Situação um exemplifica a visão mecânica de educação. Aqui, o sujeito é comparado a uma máquina que recebe as informações e executa as tarefas. Assim, o aluno é visto como um mero objeto a ser moldado pelo professor. E, quando a aprendizagem não é realizada, a culpa recai sobre o aluno, cuja capacidade de assimilação e reprodução do conhecimento falhou. O professor se considera o centro do processo, revestido de uma autoridade inquestionável, transmitindo os conteúdos de forma pouco significativa, baseados na memorização e na repetição, privilegiando o treinamento e, assim, afastando as possibilidades de interação, de diálogo e de colaboração entre os sujeitos que compõem a sala de aula. O ensino reduzido a treinamentos e a cópias, sem que o interesse e o prazer pelo conhecimento estejam presentes, gera um desânimo em relação às atividades por parte dos envolvidos, tornando-se forte candidato ao fracasso escolar. Quando os alunos conseguem corresponder às expectativas do professor, suas produções não passam de reprodução mecânica dos conteúdos decorados que em pouco tempo são esquecidos, tornando-se inúteis ao processo de desenvolvimento do aluno e à interação com o mundo que o cerca.

A professora da Situação um não consegue despertar o interesse dos alunos pela atividade, tenta controlar a conduta deles por intermédio de gritos e ameaças – “escutem, o barulho já está demais, assim vou apagar o que está no quadro e vocês não vão poder copiar, vão perder a matéria”. As interferências para regular a conduta dos alunos, a morosidade dos alunos em efetuarem a cópia do quadro, o ambiente tumultuado demonstram que a professora não soube organizar a rotina da sala de aula de modo a incentivar o interesse pelo conhecimento e a participação de todos na construção do saber. A professora confunde conhecimento com informação, disciplina com silêncio, aprendizagem com repetição mecânica das informações transmitidas, enfim, supõe que educar seja a mesma coisa que treinar. Tais concepções em nada contribuem para garantir ao aluno o pleno desenvolvimento e o acesso aos conhecimentos curriculares, ao contrário, transforma o espaço escolar num ambiente estéril; afastando o aluno do desejo pelo conhecimento.

Analisando a Situação dois, pode-se dizer que a relação travada entre a professora e os alunos está baseada no respeito, onde cada um tem um papel definido, porém interdependentes. Parece claro que para que alguém aprenda alguém deva ensinar: e é o que acontece nesse grupo. A professora, através de uma relação dialética e dialógica com os alunos, garante que o conhecimento seja aprendido com base no significado e na compreensão do que está sendo dito refletido, pensado por todos. A professora concebe seus alunos como agentes sociais, capazes de produzirem conhecimentos a partir das relações travadas com a cultura e a história. Quando inicia a aula, dirige-se aos alunos como sujeitos, onde cada qual tem um nome e uma identidade a ser respeitada e ressaltada, sabe ouvi-los, valoriza o que já conhecem, acredita na capacidade deles e investe na conquista de novos saberes.

A relação pedagógica travada na Situação dois reveste-se de uma autoridade que requer o trabalho sistemático da professora, que se concebendo como mediadora do conhecimento é criativa na condução não somente do saber curricular, mas também da consciência de si, de seus deveres, direitos e responsabilidades, contribuindo para a formação de sujeitos capazes de pensar/repensar, fazer/refazer o amanhã. Assim, o aluno é visto como um ser que se constitui a partir da relação com os outros sujeitos sociais.

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