EMILIA FERREIRO
Emilia Ferreiro, psicóloga e pesquisadora Argentina, radicada no México, fez seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget.
Na Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus trabalhos experimentais, que deram origem aos pressupostos teóricos sobre a Psicogênese do sistema de escrita, campo não estudado por seu mestre, que veio a tornar-se um marco na transformação do conceito de aprendizagem da escrita, pela criança. .
Autora de várias obras, muitas traduzidas e publicadas em português, já esteve algumas vezes no país, participando de congressos e seminários.
Falar de alfabetização, sem abordar pelo menos alguns aspectos da obra de Emilia Ferreiro, é praticamente impossível.
Ao invés da clássica pergunta: como se deve ensinar a escrever, Emilia Ferreiro perguntou como alguém aprende a ler e escrever independente do ensino.
Ela não criou um método de alfabetização, como ouvimos muitas escolas erroneamente apregoarem, e sim, procurou observar como se realiza a construção da linguagem escrita na criança.
Os resultados de suas pesquisas permitem, isso sim, que conhecendo a maneira com que a criança concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e metodológicas, nos apontem caminhos, a fim os erros mais freqüentes daqueles que alfabetizam possam ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas escolas.
Aqueles que são, ou foram alfabetizadores, com certeza, já se depararam com certos professores que logo ao primeiro mês de aula estão dizendo, a respeito de alguns alunos: não tem prontidão para aprender, tem problemas familiares, é muito fraca da cabeça, não fez uma boa pré-escola, não tem maturidade para aprender e tantos outros comentários assemelhados. Outras vezes, culpam-se os próprios educadores, os métodos ou o material didático. Com seus estudos, Ferreiro desloca a questão para outro campo: “Qual a natureza da relação entre o real e sua representação?” As respostas encontradas a esse questionamento levam, pode-se dizer, a uma revolução conceitual da alfabetização.
Tradicionalmente, a alfabetização se dá de acordo com a maturidade e prontidão da criança. De um lado temos o sistema de representação alfabética da linguagem, com suas peculiaridades, e por outro lado, temos as concepções dos que aprendem (crianças) e os que ensinam (professores).
A escrita tem dualidades em suas concepções, pode ser uma representação gráfica ou um código de transcrição gráfica das unidades sonoras.
A representação gráfica é representada pelo sistema X e a realidade é representada por R.
Só que os dois sozinhos não interagem um com o outro, seria necessário um objeto concreto para que houvesse a aprendizagem da criança.
]A transcrição das letras do alfabeto em código Morse, são códigos de transcrição gráficas. Baseia-se em representações já constituídas do alfabeto e por números que são símbolos, que serão transcritos para uma linguagem.
Exemplos: simbologias: b, c, d, f...
Linguagem escrita: be, ce, de , fe
A escrita da criança não resulta de simples cópia de um modelo externo, mas é um processo de construção pessoal. Emilia Ferreiro percebe que de fato, as crianças reinventam a escrita, no sentido de que inicialmente precisam compreender seu processo de construção e suas normas de produção.
“Ler não é decifrar, escrever não é copiar”
Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianças constroem hipóteses sobre este objeto de conhecimento.
Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky (pedagoga de Barcelona), pesquisadoras reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos sobre alfabetização, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que contém letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto se podem ler as letras quanto os desenhos. É bastante significativo que estas crianças pertençam às classes sociais mais pobres que por isso acabam tendo um menor contato com material escrito
O processo de construção da escrita
Os níveis estruturais da linguagem escrita podem explicam as diferenças individuais e os diferentes ritmos dos alunos. Segundo Emilia Ferreiro são:
1) Nível Pré-Silábico-não se busca correspondência com o som; as hipóteses das crianças são estabelecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. A criança tenta nesse nível:
- Diferenciar entre desenho e escrita
- Utilizar no mínimo duas ou três letras para poder escrever palavras
- Reproduzir os traços da escrita, de acordo com seu contato com as formas gráficas (imprensa ou cursiva), escolhendo a que lhe é mais familiar para usar nas suas hipóteses de escrita.
- Percebe que é preciso variar os caracteres para obter palavras diferentes
Não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada.
EXEMPLOS: O C ( V = PAPAI O C < V= SEU NOME ? C ( V= NOME DO IRMÃO
2) Nível Silábico-pode ser dividido entre Silábico e Silábico Alfabético:
No nível Silábico-A criança compreende que a diferença na representação escrita está relacionada com o “som” das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas das palavras. Interpreta a letra e cada letra vale por uma sílaba
Exemplos: I k h= gato
X Y S= cavalo
A = mar
Silábicos- Alfabético- convivem as formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética e a criança pode escolher as letras ou de forma ortográfica ou fonética.
3) Nível Alfabético-a criança agora entende que:
- A sílaba não pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada em unidades menores
- A identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que pode gerar as famosas dificuldades ortográficas.
- A escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras
EXEMPLO: CA U O= CAVALO BO E A= BONECA
§ Neste nível domina, enfim, o valor das letras e sílabas.
A criança tem a sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separadas por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma das palavras escritas.
As Cartilhas
Segundo as pesquisas a que vimos nos referindo, para que alguma coisa sirva para ler é preciso que contenha um certo número de letras, variável entre dois e quatro. Letra sozinha não representa nada escrito. De nada servem, também, conjuntos com letras repetidas, pois elas entendem que só podem ser lidas palavras que contenham letras diferentes. Uma explicação para tal, seria que no dia a dia, observam que o comum é encontrar palavras formadas por uma variedade de letras.
Como ficam os alfabetizadores em relação a esse problema, se a grande maioria das Cartilhas apresentam às crianças logo de início, palavras como:
Bebe, baba, boi, aí, ai, eu, oi, vovô?
Em que medida as Cartilhas contribuem para a aquisição do processo de escrita compreendido de acordo com os resultados das pesquisas efetuadas por Ferreiro e outros autores desta linha, principalmente para crianças oriundas das classes mais desfavorecidas, que acabam tendo um menor contado com a produção escrita em seu meio social?
A meu ver as cartilhas mostraram-se e mostram que não são eficientes para a tarefa de ensinar a ler e a escrever a crianças pré-silábicas. Pesquisem, e verifiquem que toda cartilha parte do pressuposto de que a criança já compreende o nosso sistema de escrita. Ou seja, que ela já entende que aquilo que as letras representam é a pauta sonora dos nomes dos objetos, e não o próprio objeto a que se referem. E, os estudos atuais já demonstraram suficientemente que as dificuldades mais importantes do processo de alfabetização situam-se ao nível de compreensão da estrutura do sistema alfabético, enquanto a representação da linguagem.
Elas acabam sendo usadas quando:
As ações educativas tiverem subjacentes, mesmo que de forma não muito clara, a concepção de que a escrita é um mero código de transcrição da fala.Desse modo, é bastante lógico, que o processo de alfabetização desenvolvida, também se restrinja à aquisição de uma técnica, a qual para seu desenvolvimento dará atenção principalmente:
· Aos aspectos gráficos da escrita
· Ao desenvolvimento de habilidades que visem garantir a correção da transcrição
· À qualidade do grafismo: controle do traço, distribuição espacial, orientação dos caracteres
· Desenvolvimento de tarefas de "prontidão": preenchimento de tracinhos, preenchimento do traçado de letras, cópia do traçado de letra, exercícios de discriminação auditiva e visual.
Neste caso, essa concepção nos leva a uma metodologia voltada para a aquisição da escrita, sem levar em consideração aquilo que a criança já sabe sobre esse objeto, sobre o domínio que tem da língua, utilizando-a com eficiência em situações de comunicação. Portanto a utilização direta das cartilhas nesse contexto estaria de acordo com as concepções que estão dando suporte às ações pedagógicas.
As cartilhas nunca podem ou devem ser usadas ?
Se essa utilização estiver sendo realizada com crianças que já tenham construído a base alfabética do sistema de escrita, não vemos nenhum problema maior para elas, pois, o que irão encontrar não estará em desacordo com suas hipóteses sobre a escrita.
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